Entrevista com especialista em Direito Canônico
Por José Caetano
TAUBATÉ, domingo, 9 de março de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos a entrevista concedida a Zenit pelo Pe. Antônio Robson Gonçalves, MSJ, Mestre em Direito Canônico pelo Instituto de Direito Canônico «Pe. Dr. Giuseppe Benito Pegoraro», afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, e Juiz do Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de São Paulo.
O Pe. Antônio, que também é Superior Geral do Instituto Missionário São José, falou sobre alguns pontos do Direito Canônico que geram grande curiosidade entre os fiéis em geral.
– Tendo em vista que esse é um tema que gera grande curiosidade entre nossos leitores, gostaria que o senhor explicasse, primeiramente, a diferença entre «anular» e «declarar a nulidade».
– Pe. Antonio R. Gonçalves: Veja só, é importante levar em conta que a Igreja Católica Apostólica Romana nunca anula um casamento. Anular significaria tornar sem efeito a partir daquele momento o casamento. Seria o mesmo que dizer que até determinada data o casamento foi válido e a partir daquela outra, não valeria mais. O Casamento é e sempre foi considerado pela Igreja Católica apostólica Romana como UNO e INDISSOLÚVEL. Quer dizer, em hipótese alguma a Igreja Católica aceita o Divórcio como alternativa válida para seus fiéis.
Não obstante a isso, sabemos que alguns casamentos não dão certo e são muitas as razões pelas quais fracassam (não vem ao caso aqui analisar cada uma destas razões). Dentre estes casamentos fracassados alguns certamente fracassaram porque foram nulos, quer dizer, apesar de toda a aparência sacramental (cerimônia, ritos e etc.) não são sacramentos de fato. Quer dizer, nunca valeram de fato, porque faltou algo de essencial para que aquele casamento, independentemente do número de anos que durou fosse realmente válido ou seja, fosse sacramento. Quando ocorre esta situação é que a Igreja, através do Tribunal Eclesiástico declara a nulidade daquele determinado casamento.
O Matrimônio goza do favor do Direito, isto é, a presunção é sempre pela validade, mas, para que seja válido o matrimônio é necessária a ausência de três capítulos ou causas que podem tornar nulo um matrimonio são estes:
1) a presença de impedimentos canônicos que são 12 no total: Afinidade (can. 1092); Consangüinidade (can. 1091); Parentesco Legal (can). 1094); Pública Honestidade (can. 1093); Crime de Conjugicidio (can. 1090); Disparidade de Culto (um católico e outro não batizado não cristão ou batizado invalidamente) é importante não confundir disparidade de culto com mista religião (um cristão católico e um cristão não católico) – não é impedimento, nesse caso não se pede dispensa, mas, licença ao ordinário do lugar (can 1124); Idade – (can. 1083) ; Impotência (Can. 1098); Ordem Sacra ( can. 1087); Votos Religiosos (can. 1088); Rapto (can. 1089); Vínculo Anterior (can. 1085);
Estes são os impedimentos que tornam a pessoa inábil para contrair núpcias na Igreja Católica Apostólica Romana. Quem está impedido só pode se casar mediante a Licença do Bispo Diocesano ou conforme o caso somente com a Licença da Santa Sé Apostólica (Vaticano);
2) defeito (ou vício) de consentimento, ou seja, o consentimento foi viciado, não foi livre, consciente.
Na maioria das vezes podem ocorrer as seguintes situações:
a) Incapacidade – Can 1095:
1º. Falta do uso da razão;
2º. Grave falta da Discrição de juízo acerca dos ônus essenciais do matrimonio (por exemplo a imaturidade humana e psicológica);
3º. Causas de natureza psíquica.
b) exclusão total ou parcial do bem da comunhão de vida e de amor (cânones 1057 § 2 e 1101§ 2);
c) Condição ( Can. 1102);
d) Dolo (Can. 1098)
e)Erro de pessoa (Can. 1097);
f) Erro nas propriedades essenciais do matrimonio (can. 1099);
g) Medo e/ou temor reverencial ou violência (Can. 1103);
3) a falta da forma canônica, ou seja, a ausência de um ou mais dos seguintes elementos: A manifestação por parte dos contraentes do seu Consentimento (Eu……..te recebo…….por meu marido ou por minha esposa e te prometo ser fiel….amar-te, respeitar-te …..na alegria e na tristeza…..) diante da Testemunha Qualificada (Bispo Diocesano, Pároco ou outro sacerdote ou diácono por estes delegados para aquele casamento) e diante de pelo menos duas testemunhas fidedignas. Isso se faz necessário porque o matrimonio enquanto negócio jurídico exige a existência destes três elementos que são essenciais para sua validade contratual: a capacidade jurídica, o válido consentimento livre e espontaneamente manifesto e a forma canônica estabelecida pela Igreja.
Qualquer situação que se enquadre nestes elementos pode servir de base para o processo de verificação da nulidade matrimonial. É bom lembrar que os cônjuges têm o direito de impugnar (questionar) a validade de seu matrimônio junto ao tribunal Eclesiástico. Além deles também o Promotor de Justiça Eclesiástica pode fazê-lo nas causas de maior gravidade, principalmente quando há riscos de escândalo público.
O objeto do juízo, nas causas de nulidade será sempre o consentimento, pois, segundo a máxima jurídica “ consensus facit nuptia” é o consentimento que gera o vínculo matrimonial. Os juízes analisarão se no momento exato (por isso mesmo, antecedente e concomitantemente) de externar o consentimento um ou ambos os cônjuges o fizeram validamente ou de forma defeituosa.
– Quais os procedimentos para instaurar uma Causa de Nulidade junto ao Tribunal Eclesiástico?
– Pe. Antonio R. Gonçalves: Geralmente a parte interessada deve comparecer ao Tribunal Eclesiástico e passar por uma Consulta com o Vigário Judicial (que é o sacerdote encarregado de presidir o tribunal) que, após ouvi-la vai informar todos os detalhes para o encaminhamento do processo. Na consulta a pessoa interessada receberá uma lista com todos os documentos necessários e um esquema para elaborar o seu histórico onde vai contar com detalhes os fatos ocorridos desde o momento em que as partes se conheceram, quando iniciaram o namoro, como este se desenvolveu, se havia brigas, desentendimentos, quais as dificuldades foram surgindo, como resolveram estes problemas iniciais, se houve gravidez indesejada, como se deu o noivado, quanto tempo durou, como foi o relacionamento de ambos neste período, como foi a preparação das partes para o casamento, se tinham noção do significado do matrimônio enquanto sacramento uno e indissolúvel, como foi o casamento em si, a lua-de-mel, os primeiros dias de casados, as dificuldades que surgiram, quando surgiram, quais foram estas; como era o relacionamento das partes no tocante às obrigações de esposo e esposa, afazeres domésticos, emprego, trabalho, situação financeira do casal, educação e sustento da prole, quando se separaram, por quais motivos se separaram, e se tentaram ou não a reconciliação.
De posse destas informações e com os documentos em mãos a pessoa retorna ao Tribunal e será, caso queira, encaminhada a um dos Advogados (que no âmbito canônico se chamam Patronos). O Patrono, se for o caso, ou a própria parte, elabora então o Súplice Libelo (Petição Inicial) e apresenta ao Tribunal que julgando procedente vai instaurar a causa estabelecendo a Dúvida inicial (ou seja, os títulos – ou os cânones – pelos quais a causa será julgada). A outra parte é informada do processo e pode oferecer ou não a Contestação da Lide. Veja bem, é importante que a outra parte (chamada Demandada) participe do processo e apresente a sua versão para os fatos pois ao Tribunal interessa a verdade dos fatos e é o contraditório quem ajudará a esclarecer a verdade sobre estes mesmos fatos. É importante lembrar que o objeto do juízo não é uma ou a outra parte mas, o sacramento em si.
O processo, num primeiro momento, não visa saber de quem foi a culpa mas, se o matrimônio foi válido ou não. Estabelecida a Dúvida e após a contestação ou não da parte demandada o Defensor do Vínculo, que tem por obrigação aludir a tudo quanto possa garantir a validade do vínculo matrimonial apresentará os quesitos para a oitiva das partes e das Testemunhas de uma ou de ambas as partes. Terminada esta etapa o tribunal poderá solicitar, caso seja necessário, um laudo pericial. Depois se dá o que chamamos publicação dos autos. As partes tomam conhecimento dos fatos do processo. Após a perícia o Patrono, se houver, apresenta suas alegações finais, o Defensor do Vínculo ponderando as circunstâncias apresenta suas observações finais e remete os autos aos Juízes do Colégio.
Nas causas matrimonias são pelo menos três os Juízes. Cada um destes depois de ler e analisar criteriosamente os autos, emite seu voto e na Reunião de Sentença, após as ponderações de cada Juiz é estabelecida a Sentença. Terminada a causa em primeira Instância, esta é automaticamente remetida à Segunda Instância. É necessário que haja duas sentenças conformes para se declarar nulo um casamento.
O tempo de demora varia de Tribunal para Tribunal. O Código de Direito canônico estabelece como tempos máximos um ano para a Primeira instância e 6 meses para a Segunda Instância.
– Atualmente se tem uma estatística sobre o número de pedidos de declaração de nulidade matrimonial?
– Pe. Antonio R. Gonçalves: Não saberia precisar o número exato de causas. Creio que a Signatura Apostólica tenha uma estatística mundial, mas desconheço que tenha publicado estes dados. Mas, em São Paulo, aproximadamente de 300 a 380 causas são protocoladas por ano, em Primeira Instância. Destas pelo menos 90% são concluídas e a maioria tem recebido sentenças afirmativas ou seja, estes casamentos foram declarados nulos.
Mas, veja bem, tudo depende de cada processo. Não significa dizer que todos os processos protocolados receberão automaticamente uma sentença afirmativa. Existem casos em que fica comprovada a validade do sacramento e assim sendo, nem mesmo o Papa pode dissolvê-los.
– Freqüentemente ouve-se dizer que algum sacerdote tenha abençoado as alianças de casais em segunda união, inclusive entre pessoas famosas, o que causa comoção na mídia…
– Pe. Antonio R. Gonçalves: É preciso, antes de tudo, ver o seguinte: Tratam-se de padres realmente? São padres da Igreja Católica Apostólica Romana ou pertencem a alguma outra denominação religiosa?
Se são padres da Igreja Católica Apostólica Romana, há uma proibição para tais bênçãos, inclusive os Bispos do Regional Sul l da CNBB (Dioceses do Estado de São Paulo) publicaram orientações a este respeito, recomendando que tal prática fosse abolida, pois, na maioria dos casos, corre-se o risco de simular um matrimônio. A simulação de um sacramento é um delito canônico passível de penalidades.
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