“Acima das diferenças que ainda nos separam, reconhecemos com alegria que na origem da vida cristã existe sempre um chamado cujo autor é o próprio Deus”, disse o papa Francisco durante missa de encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. A cerimômia aconteceu na segunda-feira, 25, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, marcando as segundas vésperas da Solenidade da Conversão de São Paulo.Â
Confira a íntegra da homilia do papa:
“De fato eu sou o menor dos apóstolos e não mereço ser chamado apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. Mas aquilo que eu sou, eu devo à graça de Deus; e sua graça dada a mim não foi estéril” (1 Cor 9, 1). O apóstolo Paulo assim resume o significado da sua conversão. Ela, ocorrida após o fulgurante encontro com Jesus Ressuscitado, na estrada de Jerusalém a Damasco, não é antes de tudo uma mudança moral, mas sim uma experiência transformadora da graça da Cristo, e ao mesmo tempo o chamado a uma nova missão, a de anunciar a todos, aquele Jesus que antes persegui, perseguindo seus discípulos. Neste momento, de fato, Paulo compreende que entre o Cristo vivo na eternidade e os seus seguidores, existe uma união real e transcendente: Jesus vive e está presente neles e eles vivem nele. A vocação a ser apóstolo se funda não nos méritos humanos de Paulo, que se considera “menor” e “indigno”, mas na bondade infinita de Deus, que o escolheu e confiou a ele o ministério.
Uma compreensão semelhante do que ocorreu no caminho de Damasco é testemunhada por Paulo também na Primeira Carta a Timóteo: “Agradeço àquele que me deu força, a Jesus Cristo nosso Senhor, que me considerou digno de confiança, tomando-me para o seu serviço, apesar de eu ter sido um blasfemo, perseguidor e insolente. Mas eu obtive misericórdia porque eu agia sem saber, longe da fé. Sim, ele me concedeu com maior abundância a sua graça, junto com a fé e o amor que estão em Jesus Cristo” (1,12-14). A superabundante misericórdia de Deus é a razão única sobre a qual se funda o ministério de Paulo e é ao mesmo tempo o que Paulo deve anunciar a todos.
A experiência de São Paulo é semelhante à das comunidades às quais o apóstolo Pedro dirige a sua Primeira carta. São Pedro se dirige aos membros de comunidades pequenas e frágeis, expostas à ameaça das perseguições, e aplica a elas os títulos gloriosos atribuídos ao povo santo de Deus: “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus”. Para aqueles primeiros cristãos, como hoje para todos nós batizados, é motivo de conforto e de constante estupor saber que fomos escolhidos para fazer parte do plano de salvação de Deus, realizado em Jesus Cristo e na Igreja. “Por que, Senhor, justamente eu?; por que precisamente nós? “. Atingimos aqui o mistério da misericórdia e da escolha de Deus: o Pai ama todos e quer salvar a todos, e por isto chama alguns, “conquistando-os” com a sua graça, para que através deles o seu amor possa chegar a todos. A missão de todo o povo de Deus é a de anunciar as obras maravilhosas do Senhor, a primeira entre todas o Mistério Pascal de Cristo, por meio do qual passamos das trevas do pecado e da morte ao esplendor da sua vida, nova e eterna.
À luz da Palavra de Deus que ouvimos, e que nos guiou durante esta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, podemos realmente dizer que todos nós que acreditamos em Cristo somos “chamados a proclamar as obras maravilhosas de Deus” (cfr 1 Pt 2,9). Acima das diferenças que ainda nos separam, reconhecemos com alegria que na origem da vida cristã existe sempre um chamado cujo autor é o próprio Deus. Podemos progredir no caminho da plena comunhão visível entre os cristãos, não somente quando nos aproximamos uns dos outros, mas sobretudo na medida em que nos convertemos ao Senhor, que por sua graça nos escolhe e nos chama a sermos seus discípulos. E converter-se significa deixar que o Senhor viva e aja em nós. Por este motivo, quando juntos os cristãos de diversas Igrejas escutam a Palavra de Deus e procuram colocá-la em prática, dão realmente passos importantes em direção à unidade. E não é somente o chamado que nos une; nos une também a mesma missão: anunciar a todos as obras maravilhosas de Deus. Como São Paulo, e como os fieis a quem escreve São Pedro, também nós não podemos que não anunciar o amor misericordioso que nos conquistou e transformou. Enquanto estamos a caminho, em direção à plena comunhão entre nós, podemos já desenvolver múltiplas formas de colaboração para favorecer a difusão do Evangelho. E caminhando e trabalhando juntos, percebemos que já estamos unidos no nome do Senhor.
Neste Ano Jubilar Extraordinário da Misericórdia, tenhamos bem presente que não pode existir uma autêntica busca da unidade dos cristão, sem uma plena entrega à misericórdia de Deus. Peçamos, antes de tudo, perdão pelo pecado das nossas divisões, que são uma ferida aberta no Corpo de Cristo. Como Bispo de Roma e Pastor da Igreja Católica, quero invocar misericórdia e perdão pelos comportamentos não evangélicos tidos por parte dos católicos em relação aos cristãos de outras Igrejas. Ao mesmo tempo, convido todos os irmãos e as irmãs católicos a perdoar se, hoje ou no passado, sofreram ofensas de outros cristãos. Não podemos apagar aquilo que aconteceu, mas não queremos permitir que o peso das culpas passadas continuem a macular nas nossas relações. A misericórdia de Deus renovará as nossas relações.
Neste clima de intensa oração, saúdo fraternalmente Sua Eminência o Metropolita Gennadios, representante do Patriarcado Ecumênico, Sua Graça David Moxon, representante pessoal em Roma do Arcebispo de Cantuária, e todos os representantes das diversas Igrejas e Comunidades eclesiais de Roma, aqui reunidos nesta tarde. Com eles passamos através da Porta Santa desta Basílica, para recordar que a única porta que nos conduz à salvação é Jesus Cristo nosso Senhor, o rosto misericordioso do Pai. Dirijo uma cordial saudação também aos jovens ortodoxos e ortodoxos orientais que estudam aqui em Roma com o apoio do Comitê de Colaboração Cultural com as Igrejas Ortodoxos, que atua junto ao Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, assim como aos estudantes do Ecumenical Institute of Bossey, em visita aqui em Roma para aprofundar o seus conhecimento sobre a Igreja Católica.
Queridos irmãos e irmãs, unamo-nos à oração que Jesus Cristo dirigiu ao Pai: “Que sejam um (…) para que o mundo creia” (João 17,21). A unidade é dom da misericórdia de Deus Pai. Aqui, diante do túmulo de São Paulo, apóstolo e mártir, guardado nesta esplêndida Basílica, sentimos que o nosso humilde pedido é apoiado pela intercessão da multidão dos mártires cristãos de ontem e de hoje. Eles responderam com generosidade ao chamado do Senhor, deram um fiel testemunho, com a sua vida, das obras maravilhosas que Deus realizou em nós, e já experimentam a plena comunhão na presença de Deus Pai. Apoiados pelo seu exemplo e confortados pela sua intercessão, dirijamos a Deus a nossa humilde oração”.
CNPF com informações e foto da Rádio Vaticano.Â