O aborto é um crime covarde e trágico que implica em matar um ser humano inocente no seio de sua mãe, trazendo para essa graves conseqüências físicas e psicológicas, que repercutem em sua família e na sociedade atentando contra a garantia constitucional da inviolabilidade da vida e a dignidade da pessoa humana ( vide arts. 5º, caput e 1º, III, da Constituição Federal).
Nas breves considerações que seguem procuraremos nos ater aos argumentos centrais da campanha que vem sendo divulgada no corrente ano de 2005, pelo Governo Federal, objetivando a “legalização do aborto no Brasil”, que poderiam ser assim sintetizados: (a) suposto elevado número de abortos clandestinos no Brasil; (b) suposto elevado número de complicações e mortes maternas decorrentes; (c) verba que é gasta no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde) com tais atendimentos.
O número de abortos no Brasil
Ao ser lançada a Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, em 22 de março de 2005, a agência de notícias do Ministério da Saúde afirmou:
“Segundo estimativas da OMS (Organização Mundial de Saúde), no Brasil, 31% das gravidezes terminam em abortamento. Todos os anos ocorrem de acordo com as estimativas, cerca de 1,4 milhão de abortamentos espontâneos e/ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos”
O então Ministro da Saúde referiu essa cifra, de “1,4 milhão de abortamentos espontâneos e/ou inseguros”, em debate realizado no dia 7 de março de 2005 no auditório do jornal “Folha de São Paulo”.
Todavia, não esclareceu o Sr. Ministro, nem esclarece o Ministério da Saúde, qual o documento e/ou fonte da OMS em que consta tal número e qual a pesquisa e/ou estudo que o fundamentam.
O que se sabe é que, de há muito, os lobistas do aborto aumentam (no Brasil e no mundo) os números respectivos, para tentar chegar aos seus intentos, inclusive valendo-se de citações não autorizadas e sem base, cuja fonte seria a OMS – Organização Mundial da Saúde.
No início da década de 1990, atribuía-se a relatório da OMS a existência de mais de três milhões de abortos anuais da Brasil (um absurdo, pois nos Estados Unidos da América, onde o aborto é amplamente legalizado desde 1973 e cuja população supera em mais de 100 milhões de habitantes a nossa, os números anuais de abortos situam-se, de há muito, ao redor de 1.550.000.)
Impressionada com os números que eram divulgados, a Drª Zilda Arns Neumann, coordenadora da Pastoral da Criança da CNBB, formulou consulta à repartição regional da OMS, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), tendo recebido por fax resposta, que segue em tradução livre do espanhol:
“1. A Organização Mundial de Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde não auspiciaram, financiaram nem realizaram qualquer estudo ou investigação sobre abortos no Brasil.
2. Tampouco temos conhecimento de algum estudo ou investigação que tenha sido feito com bases cientificamente sólidas e cujos resultados possam extrapolar-se confiavelmente para todo o país.
3. Em algumas publicações oficiais da OMS ou da OPAS, publicam-se informações de fontes nacionais, também oficiais. Porém, neste caso não temos conhecimento de se haver feito com informação referente ao Brasil e de âmbito nacional.
4. Faz três ou quatro anos, um professor brasileiro fez uma publicação jornalística com dados sobre abortos, assinalando que era uma informação da Organização Mundial de Saúde. Nessa oportunidade nossa Representação enviou uma nota esclarecedora, no sentido do exposto nos pontos anteriores […].
5. Lamentavelmente, não é a primeira vez que, levianamente, se toma o nome da Organização Mundial de Saúde e/ou da Organização Pan-Americana de Saúde para dar informações que não emanam dessas instituições.” (destacamos; o texto é subscrito pelo Dr. David Tejada-de-Rívero.)
Verifica-se, pois, que o suposto número de abortos espontâneos e/ou provocados no Brasil, que vem sendo divulgado pelo Ministério da Saúde, deve ter sua fonte detalhadamente explicitada e analisada, devendo tal Ministério deixar de divulgar números inconsistentes em tão grave matéria, que importa em matar seres humanos (mulheres e homens) em suas fases iniciais de vida e/em afetar gravemente a saúde física psíquicas das mulheres que se submetem a um aborto provocado.
A tática de aumentar enormemente o número suposto de abortos provocados, bem como o de mortes maternas decorrentes, é estratagema antigo, como consta de pronunciamento do Dr. Bernard Nathanson, ginecologista e obstetra norte-americano, uma das maiores lideranças nos anos 60 e 70 no lobby pela legalização do aborto nos EUA e que, a partir de estudos de embriologia, em que foi constatando que o feto desenvolve uma vida com semelhanças à da criança fora do útero, começou a se questionar sobre sua prática abortista, sendo atualmente defensor da vida desde o início de sua existência, ou seja, desde a concepção. Diz o Dr. Bernard Nathanson a propósito da manipulação e aumento dos números relativos a aborto:
“É uma tática importante. Dizíamos, em 1968, que na América se praticavam um milhão de abortos clandestinos, quando sabíamos que estes não ultrapassavam de cem mil, mas esse número não nos servia e multiplicamos por dez para chamar a atenção. Também repetíamos constantemente que as mortes maternas por aborto clandestino se aproximavam de dez mil, quando sabíamos que eram apenas duzentas, mas esse número era muito pequeno para a propaganda. Esta tática do engano e da grande mentira se se repete constantemente acaba sendo aceita como verdade. Nós nos lançamos para a conquista dos meios de comunicações sociais, dos grupos universitários, sobretudo das feministas. Eles escutavam tudo o que dizíamos, inclusive as mentiras, e logo divulgavam pelos meios de comunicações sociais, base da propaganda.” (Conferência realizada no Colégio Médico de Madrid, em 5 de novembro de 1982, intitulada: “Eu pratiquei cinco mil abortos”, publicada pela revista Fuerza Nueva).
Os números de mortes maternas decorrentes de aborto no Brasil
Um dos pilares da campanha abortista, é que o aborto provocado praticado fora da lei, o seria em condições precárias e importaria em morte de muitas mulheres, fazendo-se referência a milhares, quando não a dezenas ou centenas de milhares mortes!
Esse argumento agride fortemente a realidade dos fatos.
Os dados disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde – vide http: //www.datasus.gov.br) , informam para os anos de 1996 a 2002, números que vão de no máximo 197 (no ano de 1997) a no mínimo 115 (no ano de 2002) de “mulheres mortas em gravidez que terminou em aborto”:
Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Número de mulheres mortas em gravidez que terminou em aborto 146 163 119 147 128 148 115
Conforme metodologia que parece vem sendo seguida pelo SUS, como constante dos dados a que nos referiremos abaixo, os números de mortes maternas acima, parecem se referir não só a abortos clandestinos provocados, mas também aos demais, como espontâneos e praticados “por razões médicas”.
Além disso, estudo abrangendo o período de 1980 a 1995, publicado na “Revista Panamericana de Salud Pública/ Pan American Journal of Public Health” (Volume 7, Number 3, March 2000, pp. 168-172), de autoria de Lima B.G. d. C.), intitulado “Mortalidade por causas relacionadas ao aborto no Brasil: declínio e desigualdades espaciais”, chega, dentre outras, à conclusão de que:
“os coeficientes de mortalidade por causas relacionadas ao aborto têm decrescido continuamente no Brasil.” (destacamos)
O decréscimo de tais coeficientes de mortalidade é muito expressivo, pois a região que apresentou menor índice de queda foi o Nordeste, com diminuição de 38%. O autor busca possíveis causas para tão expressiva redução, descartando como improvável a hipótese de piora na qualidade das notificações de óbitos, ressaltando que o “SUS tem conseguido avanços no campo de informações em saúde”. Cabe mencionar que o autor sinaliza como possível caminho para a solução do problema do aborto a melhora do “nível educacional geral”.
Atendimentos no SUS decorrentes de aborto
O Governo Federal tem divulgado cifras de mais de 240.000 casos de atendimentos anuais no SUS decorrentes de abortos espontâneos e outras situações, designadas por “aborto por razões médicas” e “outras gravidezes que terminam em aborto” .
Aprofundando-se a pesquisa nos sites disponíveis, verifica-se que os números relativos a atendimentos relacionados a abortos no SUS, são divididos em três itens: “Aborto espontâneo”; “Aborto por razões médicas”; “outras gravidezes que terminam em aborto”. No ano de 2004, por exemplo, de um total de 252.825 atendimentos no SUS, relacionados a abortos, mais da metade foram devidos a abortos espontâneos (127.065) e os restantes, divididos em 124.160 para “outras gravidezes que terminam em aborto” (expressão cuja abrangência deveria ser fundamentadamente explicitada, eis que, até mesmo em razão dos conceitos técnicos utilizados para “morte materna” , parece, ao menos em princípio, possível não se restringir aos casos de aborto provocado fora das hipóteses legais de exclusão da pena) e 1.600 para “aborto por razões médicas”.
Uma primeira análise da evolução desses números (no datasus), no período de 1998 a 2004, parece apontar para a necessidade de um aprofundamento do exame de fontes e causas, pois há um expressivo crescimento do número de atendimentos de 1998 (89.970) a 2004 (127.065), ou seja aumento de 41,23% , devidos a abortos espontâneos e decréscimo de 12,10% dos atendimentos devidos a “outras gravidezes que terminam em aborto”, no mesmo período de 1998 (139.194) a 2004 (124.160). Já os abortos “por razões médicas”, decaem abruptamente de 1998 (2508) a 2001 (878), voltando a subir após este ano, em 2002 (946) e mais que dobrando em 2003 (1920).
De qualquer modo, conforme divulgação constante da Biblioteca Virtual da Saúde (www.bvs.gov.br), de um total de 247.884 atendimentos no SUS, no ano 2000, relacionados a abortos espontâneos e por outras causas (nas quais estariam inseridos os abortos provocados), houve 67 “óbitos hospitalares”, ou seja número incomparavelmente menor que o que costuma ser divulgado.
O aborto provocado aumenta o risco de morte materna e
, ao menos potencialmente, causa
graves danos à saúde física e psíquica da mulher
Os graves danos físicos e psicológicos decorrentes do aborto provocado são conhecidos internacionalmente sob a designação de “síndrome pós-aborto.”
A propósito, veja-se o artigo “O que é a Síndrome Pós Aborto ?”, de Wanda Franz, PhD, Professora Associada de Recursos Familiares da Universidade de West Virgínia, Morgantown,WV 26505, U.S.A., traduzido do “National Right To Life News 14(1):1-9,1987 – What ist Post-Abortion Syndrome ?” , por Herbert Praxedes, Médico e Professor Titular do Departamento de Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense – UFF.
No dia 15 de junho de 2005, promovida pela Associação das Mulheres em Acção, foi realizada em Lisboa, Portugal, a conferência “A Realidade Ibérica da Saúde Sexual e Reprodutiva”, na qual foi um dos oradores o professor catedrático e psiquiatra espanhol Aquilino Lorente, que afirmou: “As conseqüências de um aborto para a mulher são muitíssimo graves, elas passam a sofrer de stress crônico, a taxa de suicídio aumenta e as depressões não respondem aos fármacos”. O psiquiatra Pedro Afonso, do Hospital Júlio de Matos, contou um pouco da sua experiência como médico e como voluntário no centro de apoio a mulheres grávidas e mães de risco Sta. Isabel, na capital portuguesa:”Um aborto acarreta sempre muitos riscos físicos e psíquicos para as mulheres.” Também se manifestou, a espanhola Esperanza Moreno, de 38 anos, que colaborou no primeiro livro editado na Espanha com testemunhos de mulheres que abortaram e disse: “Abortei há 11 anos, era solteira e já tinha um filho. Foi a pior experiência da minha vida, ainda hoje sofro do sindroma pós-aborto . . . As clínicas parecem matadouros e nós cordeiros. Estamos sozinhas, angustiadas, envergonhadas, sentimos culpa e nunca mais esquecemos a experiência”(. Fonte: Portugal Diário, 15/06/2005)
Além disso, mesmo nos países desenvolvidos e onde é legalizada a prática do aborto provocado, este importa sempre em um agravamento do risco de vida para a mulher, conforme consta em parecer da Dra. Marli Virgínia Gomes Macedo Lins e Nóbrega, Ginecologista e Obstetra, que refere estudo realizado na Finlândia, com mulheres entre 15 e 49 anos de idade, no período compreendido entre os anos de 1987 a 2000, publicado no dia 10 de março de 2004, no Jornal Americano de Ginecologia e Obstetrícia, no qual ficou constatado “que as mulheres têm 2,95 mais chance de morrer de aborto do que de um parto” e que “a prática de qualquer abortamento aumenta significativamente o risco de mortalidade para a mulher mesmo em países desenvolvidos e onde essa prática é legalizada.” (destacamos)
Conclusão
Em razão do exposto é de se concluir que:
a) os números que vêm sendo utilizados pelo Governo Federal em sua campanha pela legalização do aborto no país são inadequados, pois misturam abortos espontâneos com provocados, realidades inteiramente distintas e inassimiláveis tanto do ponto de vista jurídico, como ético, moral e médico; além disso, não são confiáveis, pois não explicitam a base estatística, sendo já conhecidos e documentados casos anteriores de indevida e desautorizada utilização do nome da OMS – Organização Mundial da Saúde na campanha abortista;
b) os dados disponíveis do Sistema Único de Saúde – SUS e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apontam, nas últimas décadas, para uma contínua e expressiva redução da taxa de mortalidade materna decorrente de aborto no Brasil, sendo o último dado oficial disponível (sem projeções aleatórias), para o ano de 2002, o número de 115 mortes maternas decorrentes de abortos (aí incluídos abortos espontâneos e provocados);
c) o aborto provocado, mesmo nos países desenvolvidos e onde essa prática é legalizada, constitui fator de agravamento de risco de mortalidade materna, além de, ao menos potencialmente, causar graves danos à saúde física e psíquica da mulher;
d) as políticas públicas devem se basear em informações claras, seguras e precisas, o que não é o caso da campanha do Governo Federal com vistas à legalização do aborto, que, dentre outras questões, omite o número crescente de internações no SUS devidos a abortos espontâneos, que no ano de 2004 superaram mais da metade do número de internações por abortamento em geral;
e) as verbas públicas, decorrentes do trabalho de toda a sociedade, em razão de comandos constitucionais e imperativos éticos, devem ser direcionadas, atendidos, dentre outros, o princípio da moralidade (vide art. 37, caput, da Constituição Federal), para a melhor qualidade de vida de todos e não para matar inocentes no início de suas vidas, garantindo a Constituição Federal a “inviolabilidade do direito à vida”, a “dignidade da pessoa humana” e a promoção do “bem de todos sem preconceitos . . . e quaisquer outras formas de discriminação” (vide art. 5; caput, art. 1º, III e art. 3º, IV), não sendo admitida no país a pena de morte (“salvo em caso de guerra declarada”), até mesmo para os piores crimes e criminosos (vide art. 5º, XLVII, “a”, da Constituição Federal);
f) considerando os graves riscos para a vida e a saúde da mulher e o conteúdo “humanicida” do aborto provocado, que mata intencionalmente mulheres e homens inocentes nas fases iniciais de suas vidas, as políticas e verbas públicas, no caso, deveriam ser direcionadas no sentido de uma educação contendo valores tendentes a superar a banalização da relação sexual e a inseri-la na construção de um projeto de vida pessoal, familiar e social.
Rio de Janeiro, 09 de agosto de 2005.
Paulo Silveira Martins Leão Júnior
Advogado
Presidente da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro
Herbert Praxedes
Médico e Professor Titular do Departamento de
Medicina Clínica da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal Fluminense – UFF
Dernival da Silva Brandão
Médico especialista em Ginecologia e Membro Emérito da
Academia Fluminense de Medicina