Acerca da realidade familiar, nos ensinou o Papa Francisco um desejo que deve estar no coração dos bispos, padres e de todo o povo fiel: “Garanto-vos, queridas famílias, se fordes capazes de caminhar sempre cada vez mais decididamente na via das bem-aventuranças, aprendendo e ensinando a perdoar-vos reciprocamente, em toda a grande família da Igreja crescerá a capacidade de dar testemunho da força renovadora do perdão de Deus. Diversamente, fazemos pregações lindíssimas, e talvez até esmaguemos algum diabo, mas no final o Senhor não nos reconhecerá como seus discípulos, porque não tivemos a capacidade de perdoar e de nos fazer perdoar pelos outros”! (Audiência Geral de 04 de novembro de 2015).
Mas é oportuna uma reflexão sobre o Bispo Diocesano, como sucessor dos apóstolos, como aquele que é o pai da família diocesana, que é o primeiro a perdoar, ensinar o perdão e nos inscrever na escola da misericórdia e da compaixão. Iniciamos com a fala profética do Papa Francisco na ordenação episcopal de Monsenhor Angelo De Donatis, quando ele traçou o perfil do Bispo: “Quanto a ti, irmão caríssimo, eleito pelo Senhor, reflete que foste escolhido entre os homens e para os homens foste constituído nas coisas que dizem respeito a Deus. Com efeito, Episcopado é o nome de um serviço, não de uma honra, pois ao bispo compete mais servir do que dominar, segundo o mandamento do Mestre: ‘Quem é o maior entre vós, faça-se o mais pequenino, e quem governa, como aquele que serve” (Basílica São João de Latrão, 9 de novembro de 2015).
Continua o Santo Padre quando fala que o Bispo é um chefe de família: “Colocado pelo Pai como chefe da sua família, segue sempre o exemplo do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas, por elas é conhecido e para elas não hesitou dar a sua vida” (Idem).
O Papa ressalta que cabe ao Bispo ter amor de pai e de irmão para com todos: “antes de tudo os presbíteros e os diáconos, os seminaristas; mas também os pobres, os indefesos e quantos precisam de acolhimento e de ajuda” (Ibidem).
A vida e o ministério do Bispo, como ordinário próprio de sua Igreja Particular, é daquele que dispensa os vínculos da caridade, acolhendo, corrigindo quando necessário, lembrando que no direito está a caridade, como lei suprema, sempre fazendo de tudo para encaminhar a todos para os caminhos de Deus. O amor supera tudo. Com amor toda solução é imediata.
De um presbítero se fale somente o que é bom, justo, santo e verdadeiro. Se há falhas, se há pecados, cala-te e reza pela sua conversão. Não podemos viver na murmuração de correções públicas ou de condenações ou anátemas imediatos, com decretos extremos que mais mal fazem para a Igreja do que bem. Devemos nunca cansar de acolher, de perdoar, de distribuir a graça de Deus e dar a verdadeira oportunidade para uma conversão profunda, para um recomeçar, para um reinício de uma vida totalmente voltada para Deus, como o Pai misericordioso da parábola do Filho Pródigo: “Mas o pai disse aos empregados: “Depressa, trazei a melhor túnica para vestir o meu filho. E colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Pegai o novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado” (cf. Lc 15, 22-24). “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado”.(cf. Jo 8,1-11) Com misericórdia se inicia uma correção fraterna e com ela também a finaliza.
Realmente, em uma Diocese, grande ou pequena, o Bispo, enquanto sucessor dos Apóstolos, necessita de auxiliares na pessoa dos presbíteros, seus colaboradores em seu ministério de conduzir, qual o Bom Pastor, o Povo de Deus a ele confiado. Nisso os sacerdotes muito o auxiliam. Aliás, nos primórdios da constituição hierárquica da Igreja, só havia uma Missa solene aos domingos com todo o clero junto com o Bispo. Depois é que a necessidade pastoral fez ver que seria melhor o sistema de paróquias com um padre – pároco ou administrador paroquial – à frente como coordenador a serviço daquela comunidade.
É certo que nessa árdua missão os sacerdote sofrem, como os demais seres humanos em quaisquer campos de ação que se encontem, as agruras da vida e que muitas vezes têm sido apontadas em estudos relevantes: solidão, questões doutrinárias ou pastorais, doenças, questões familiares (o padre vem de uma família, (e alguns de famílias fragmentadas que experimentam a dureza da separação de seus pais), canseiras devido ao trabalho, tentações de todos os tipos, muitas incompreensões e perseguições. Ora, embora os irmãos presbíteros sejam nessas horas um apoio forte àquele que sofre, é ao Bispo, como verdadeiro pai, que cabe atender com solicitude os mais fracos, frágeis ou titubeantes mesmo na vida sacerdotal. Há quem se esqueça de que o padre é um homem e como todo homem tem seus problemas e dificuldades a carecerem de remédio. O padre ainda não é santo dos altares, pois carece de ser burilado na sua caminhada sacerdotal que não tem fim nesta terra dos homens.
Como o bispo o atenderá? – Primeiramente com a solicitude paternal da acolhida. Nessa acolhida o ouvirá a fim de poder ajudar da melhor forma possível, sem transigir em nada daquilo que a Igreja espera do padre, mas também sem colocar a lei – ou pior, o legalismo – acima da caridade e da misericórdia. Nesse contexto, prestará ao sacerdote, ainda que errante, seu apoio para que não volte a errar. Essa é a sábia norma da Igreja, que sempre recomendou detestar o erro, mas amar o errante (Santo Agostinho).
De um fiel diocesano, particularmente das famílias de nossas Igrejas particulares, cabe ao Bispo, também como autêntico pai da Família Diocesana, dar o testemunho de famílias que vivem da Eucaristia. Isso porque é o Senhor que parte o seu Corpo e derrama o seu preciosíssimo Sangue por todos, como nos ensina o Papa Francisco: “A família cristã mostrará precisamente assim a amplidão do seu verdadeiro horizonte, que é o horizonte da Igreja-Mãe de todos os homens, de todos os abandonados e excluídos, em todos os povos” (Audiência Geral de 11 de novembro de 2015).
Os bispos que vêm ao Rio de Janeiro, aqui vêm para estudo, oração e vivência de união fraterna. Vamos viver como irmãos. Por isso, refletir nestes dias sobre a Família e toda a sua problemática é manifestar claramente nosso compromisso com a edificação de uma família constituída pelo amor esponsal do marido com a mulher, abertos para a constituição de uma bonita família, sem medo de ter filhos, destemidamente educados na fé católica, o maior tesouro que podemos deixar como herança para as gerações futuras. Cuidemos, sobretudo, da família da qual pertencemos. A grande família, que é a Igreja, precisa viver e testemunhar em gestos concretos a misericórdia e a compaixão.
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)