Critérios para a participação política dos cristãos
As eleições municipais se aproximam e, com elas, um dos mais importante exercício de cidadania, o voto. Por isso a Diocese de Camaçari, a partir da orientação apresentada pela Doutrina Social da Igreja, que tem a tarefa específica de orientar os cristãos para julgar a situação social, política e econô-mica no qual estão inseridos, apresenta aos membros das famílias brasileiras, em especial as católicas, alguns critérios de vida e família na escolha dos candidatos.
1. O primado da pessoa diante do Estado e da so¬ciedade.
Desde o início da Doutrina So¬cial da Igreja, com a Rerum novarum (1891), a pessoa é considerada não como um apêndice da sociedade, uma célula de um órgão maior, mas como algo que tem uma prioridade absoluta. A prio¬ridade da pessoa é dada pela sua própria consistência: a raiz última da dignidade da pessoa é que cada ser humano é imagem e semelhança de Deus, é relação com o Mistério criador do qual depende. Por isso, cada pessoa tem uma dignidade inviolável, a cada pessoa é devi¬do um respeito sa¬grado, desde a sua concep-ção até o término natural de sua vida. Por esse motivo a igreja considera atraso de vida e retorno à barbárie tudo o que ofende a dignidade e destrói a pessoa, desde o aborto até o uso de células tronco embrionárias, o trabalho escravo, a fome e a violência, as diversas formas de agressão e a eutanásia.
2. A promoção da família.
A família é o primeiro lugar no qual a pessoa tem a possibilida¬de de crescer, realiza sua humanidade, encontra ter¬reno para o seu pleno de¬senvolvimento. A família nasce da liberdade das pes¬soas e corresponde ao desígnio de Deus. O amor humano, vivido na plena reciprocidade de afetos e de responsabilidade, alcança sua plenitude quando se funda no sacramento do matrimônio e dá vida a um vínculo entre o homem e a mulher que se amam, que tem dimensão pública, estável, fiel, é aberto a gerar vida e a acolhê-la, protegido pela indissolubilidade, alimentado pela presença de Jesus Cristo morto e ressuscitado. A família expressa a maior cooperação entre os sexos e entre as gerações, pois seus membros vivem o dom sincero de si até com sacrifício próprio para o bem do outro, imitando Jesus que se doa a nós até o fim, experimentando a mais intensa comunhão entre pessoas, conforme a imagem da Santíssima Trindade. Por isso, a família difunde no seu interior e ao seu redor um clima de cuidados e de solidariedade, constituindo assim o maior recurso para a pessoa e para a sociedade. A Igreja se preocupa com a forte tendência da cultura atual que não mais valoriza o dom de si para o bem do outro, antes, dá o privilégio ao bem estar individual, até mesmo com sacrifício de outros, como documenta a decisão do STF que privilegia o bem estar da mãe, sacrificando a vida do seu bebê portador de anencefalia. Esta tendência transborda os limites jurídicos, torna-se mentalidade comum e está na origem da maioria dos conflitos familiares, das agressões, das violências, do descaso. A família constroi um estilo de vida que promove a solidariedade e a paz, e isto é de interesse de toda a sociedade. Por isso, ela merece ser protegida e não descaracterizada pelo Estado como acontece quando qualquer união com base afetiva é a ela equiparada, mesmo faltando as características que a identificam.
3. A liberdade de educação.
É o princípio que afir¬ma a liberdade dos pais de educarem os filhos na visão que, a seu juízo, mais desenvolve a pessoa huma¬na. Trata-se da defesa da liberdade para todos. Todos têm o direito de fazer crescer os filhos den¬tro de uma determinada visão que contém una rique¬za de valores, de cultura e de perspectivas de desenvolvi¬mento. Quando escolas públicas ou privadas se arrogam o direito de dar uma “formação” contrária aos interesses dos pais, como no caso de equívocas orientações no campo da sexualidade, os pais têm o direito garantido pela Constituição e o dever de reivindicar com todos os meios legais que que seja respeitada a educação que eles querem para seus filhos. Os cató-licos, defendendo a liberdade de educação prestam ser¬viço a todos os pais. Trata-se de uma luta pela afirmação e pelo desenvolvimento de uma identidade cul¬tural que constitui, juntamente com outras identidades, o tecido do povo. O verdadeiro pluralismo democrático consiste na convivência de várias iden¬tidades culturais, no respeito pela diversidade.
4. A liberdade religiosa
É a síntese de todas as li¬berdades e afirma o Estado laico como verdadeiramente democrático quando respeita todas as identidades, sem o viés autoritário que quer eliminar algumas. Quando essa liberdade é reconhecida, a pessoa é respeitada em sua prioridade. É um princípio que garante à pessoa a possibilidade de seguir o caminho que considera mais opor¬tuno para realizar seu destino. Por isso a Igreja se empenha pela liberdade de todas as experiências religiosas. Um Estado que reconhece a liberda¬de religiosa, defende todas as outras liberdades, porque respeita o que dá sentido à vida do outro. No contexto da liberdade religiosa, torna-se de fundamental importância o ensino religioso nas escolas públicas. Os adolescentes constituem o segmento da população que vive em mais alto risco, pois eles se encontram numa situação em que não estão mais sob a autoridade dos pais e ainda não dispõem de maturidade suficiente para orientar autonomamente suas vidas para o bem. A ausência de grandes ideais e valores os deixa vulneráveis a propostas portadoras de destruição e morte. O ensino religioso é o caminho para que sejam ajudados a crescer tendo metas e objetivos positivos para a existência e a elaborar um projeto de vida construtivo de sua pessoa e do bem para a sociedade.
5. Os princípios de soli¬dariedade e de subsidiariedade.
– O princípio de solidarie¬dade fomenta uma cultura na qual as pessoas, as famílias as associações, o mercado e Estado ficam atentos aos desfavorecidos e cooperam entre si para atender suas necessidades. Desde a Rerum novarum até a Centesimus annus e a Caritas in Veritate, o juí¬zo da Igreja é que a atenção de toda a sociedade esteja voltada para oferecer opor¬tunidades de trabalho e fon¬tes de subsistência a pessoas e grupos menos favorecidos, numa autêntica opção preferencial aos pobres. Os documentos da Igreja afirmam que fortalecer a solidariedade e agir de acordo com ela é uma obri¬gação do Estado (cf. Labo¬rem exercens, n° 8).
– O princípio de subsidiariedade foi expresso claramen¬te na Quadragésimo anno, de Pio XII (1931). Afirma-se que o es¬tado deve respeitar as competências prioritárias das pes¬soas, das famílias e dos gru¬pos intermediários. Uma re¬alidade maior (o Estado) não pode se substituir ao que deve e ao que pode fazer uma realidade menor (as famílias e agregações sociais interme¬diárias, outros organismos). Ao lado da fa¬mília, desenvolvem-se agregações e entida¬des intermediárias, por exemplo, as associações de famílias; trata-se de conjuntos de pessoas e fa¬mílias que têm em comum uma visão da realidade e objetivos concretos. A sociedade não é feita de gente anônima, mas de pessoas que enfrentaram junto desafios, calamidades, quer naturais, quer sociais e políticas (inundações, secas, miséria e fome, restrições das liberdades democráticas) que têm laços de cultura, de religião, com valores e metas partilhados que remetem à expe¬riência de povo, configuram o pertencer ao povo. Se uma coisa pode ser feita pela família ou por esses corpos intermediários, o Estado não deve se colocar no lugar de¬les e, ao mesmo tempo, deve subsidiar esses grupos para que sejam facilitados em suas responsabilidades. Este princípio é a maior garantia contra toda for¬ma de totalitarismo. O princípio de subsi¬diariedade é contrário tanto ao estatalismo (o Estado sabe tudo, faz tudo, resolve tudo) quanto ao Estado liberal que não se ineteressa em cuidar das necessidades do povo. O prin¬cípio da subsidiariedade valoriza a criativi¬dade, a comunhão e a participação das pessoas. Na Doutrina Social da Igre¬ja, a função do Estado é de promover o “Bem Comum” oferecendo os meios para o desenvolvimento das pes¬soas e das agregações soci¬ais que nascem das pessoas.
Considerações
Com estas observações indicamos alguns pontos de reflexão e conduta para não ficarmos passivos diante das circunstâncias sociais e políticas e para julgarmos, segundo a Doutrina Social da Igreja, o que está acontecen¬do na realidade brasileira. O fazer política não co¬meça quando se entra nas questões partidárias ou técnico-fïnanceiras, mas quan¬do se vive de acordo com valores e critérios que nascem da experiência de per¬tencer ao Ideal e a um povo concreto, alternativos aos interesses do mer¬cado e aos jogos de poder do Estado.
A Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família convida todas as famílias a votarem em candidatos que comungam e promovem a vida e a família, e ainda, incentiva o empenho de todos na aplicação da Lei 9.840, de combate à corrupção eleitoral, bem como da Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de quem já foi condenado, em primeira instância, por um colegiado, ou que tenha renunciado a seu mandato para escapar de punições. O Brasil que queremos é feito de cidadãos que se empenham pela justiça e fraternidade. Como famílias dos filhos de Deus e com as bênção da Sagrada Família, façamos das próximas eleições um grande momento de promoção da vida e da família.