Pe. Crispim Guimarães
Assessor da Comissão Episcopal para a Vida e a Família
Secretário Executivo da Comissão Nacional da Pastoral Familiar (CNPF)
Esta é a primeira parte do artigo publicado por mim, Pe. Crispim Guimarães, no e-book “Aspectos a considerar sobre a proposta de ensino domiciliar”, que foi promovido pela Associação Nacional da Educação Católica do Brasil (ANEC). Boa leitura!
A família é núcleo natural e fundamental da sociedade, conforme definição da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Bem como, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Convenção sobre os Direitos da Criança (SIQUEIRA, 2010).
Por isso, à família não pode ser negada a função fundamental de ser ponto de unidade, princípio de desenvolvimento da pessoa humana, tão pouco pode ser negada sua posição primordial como instituição da sociedade global, celula mater de todas as outras (FT, n. 230). Mas ao longo da história passou por diversas transformações por meio de mudanças religiosas, econômicas e socioculturais (SANTOS, 2014).
Para fins desta reflexão, propõe-se uma pequena jornada pelo percurso de desenvolvimento histórico da família, durante o qual será possível vislumbrar e analisar o seu papel educativo ao longo dos séculos.
1. A família na percepção religiosa/social da antiguidade
A concepção de família ocidental é marcada pelo judaísmo e pelo cristianismo. O “bet ́ab” judaico indica ser a família a casa do pai e todo o conjunto parental ligado pelos laços consanguíneos e de habitação comum. Na passagem bíblica de Lc 1,39ss, é evidenciada a família alargada de Maria, nas pessoas de seus parentes Isabel e Zacarias.
Na Sagradas Escrituras, percebe-se claramente que o judaísmo se estruturou, desde suas origens, colocando a família como pilar da vida religiosa e social. A base normativa sempre foi o decálogo, no qual se encontra o “Honrar pai e mãe” como aspecto basilar da relação familiar.
O texto de Mt 2,13-18 apresenta a Família (Judaica) de Nazaré como “um lugar de proteção social”. Nele, a família tem o dever de proteger a vida, constatado na fuga para o Egito, diante da ameaça de morte ao menino Jesus. A família sai de seu lugar fortificado: pátria, casa, lugar do convívio parental, para proporcionar proteção física e existencial ao membro que é mais vulnerável .
Com os estudos teóricos e conceituais introduzidos a partir da metade do século XX, a família é apresentada como sistema em constante transformação (DESSEN, 2010). Já a sociologia contemporânea, partindo da palavra latina famulus, muitas vezes ideologicamente interpretada, define família voltando-se para o passado, como “escravo doméstico”, em referência às relações sociais das tribos latinas (ALVES, 1977). A mudança vem pautada nas discussões psicossociais e não mais religiosas, propondo novos arranjos que englobam “famílias” homoparentais, adotivas, concubinatos, temporárias, perpassando as condições de procriação, como barriga de aluguel, embriões congelados etc. (SANTOS, 2014).
“Nota-se a penetração cultural duma espécie de ‘desconstrucionismo’, em que a liberdade humana pretende construir tudo a partir do zero. De pé, deixa apenas a necessidade de consumir sem limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem conteúdo” (FT, n. 13).
Por isso, para conhecer o que é família é necessário interagir para perceber a atmosfera que perpassa cada realidade (SANTOS, 2014). A família surge da construção de relações, com a contribuição que cada indivíduo oferece nos processos de alteridade. Em qualquer cultura, mesmo com influências religiosas distintas, a família é o lugar que proporciona uma maior interação entre os membros do próprio círculo, cria e fortalece laços geradores de aconchego e proteção social. E para quem não pertence ao círculo familiar, proporciona gozar da presença de pessoas mais integradas, fruto da socialização que experimentam.
Nas culturas, a instituição familiar precisa fazer ajustamentos recíprocos entre seus membros mais próximos, assim como entre as instituições, numa constante comunicação e interação mútua (MANENTI, 1998).
1.1 A família e as leis estatais
Em muitos países, as leis passaram não somente a normatizar o formal do casamento, mas também a “proteger” o grupo familiar, abrangendo os procedimentos educativos.
A família não é mais pautada somente na religião, onde procriação e educação dos filhos era algo normativo. Evidenciam-se significativas alterações nas sociedades ocidentais contemporâneas provocando mudanças na estrutura, no agir da célula primaz e nos entendimentos dos indivíduos sobre a genealogia tradicional. Contudo, por ser heterogênea, não deveria excluir a visão cristã de família, na qual os pais são os primeiros e principais responsáveis pela vida e pela educação de seus filhos, o que “implicam também procurar um desenvolvimento das pessoas e das sociedades nos distintos valores morais que concorrem para um amadurecimento integral” (FT, n.112).
Os variados ambientes sociais, políticos, culturais, econômicos, religiosos, época histórica, latitude, dentre outros fatores, determinam as composições familiares (OSORIO, 1996). Todavia, em todos os ambientes familiares permanece o dever e o direito de educar.
A difusão das relações igualitárias fez cair a autoridade patriarcal, surgindo o princípio da solidariedade entre os membros familiares. Isso desencadeou o confronto para com as instituições quanto ao papel de definir e aplicar normas. O papel dos pais na educação ética dos filhos foi delegado às instituições de ensino privado e estatal, com consequências visíveis, porque a escola, às vezes, move-se na linha ideológica, mas também porque a família, por omissão ou por falta de formação, subsidiou às demais instituições o papel que primordialmente lhe pertence.