Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
No domingo, no clima de valorização da família em que se realiza a Assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco canoniza um casal extraordinário, Luís e Zélia Martin, pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. A família santa será posta em relevo, para que se realize a Palavra de Jesus: “Assim também brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,16). Ele era relojoeiro; ela rendeira: de origem burguesa, santos por eleição. Luís Martin (1823-1894) e Zélia Guérin (1831-1877). Ambos eram filhos de militares e foram educados num ambiente disciplinado, severo, muito rigoroso. Os dois receberam educação de cunho religioso em escolas católicas. Ao terminar os estudos, Luís orientou-se para a aprendizagem do ofício de relojoeiro, não obstante o exemplo do pai, conhecido oficial do exército napoleônico. Zélia ajudava a mãe na administração da loja de família. Depois, especializou-se no “ponto de Alençon” na escola que ensinava a tecer rendas. Em poucos anos os seus esforços foram premiados: abriu uma modesta fábrica para a produção de rendas e obteve discreto sucesso. Ambos nutrem desde a adolescência o desejo de entrar numa comunidade religiosa. Ele desejou ser admitido entre os Cônegos regulares de Santo Agostinho no Grande São Bernardo, nos Alpes suíços, mas não foi aceito porque não conhecia o latim. Também ela tenta entrar nas Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, mas compreende que não é a sua estrada.
Durante três anos Luís viveu em Paris, hóspede de parentes, para aperfeiçoar a sua formação de relojoeiro. Insatisfeito com o clima que se respirava na capital, transferiu-se para Alençon, onde iniciou a sua atividade, conduzindo até à idade de trinta e dois anos um estilo de vida quase ascético. Entretanto, Zélia, com a receita da sua empresa, manteve a família paterna, vendendo rendas para a alta sociedade parisiense. O encontro entre os dois acontece em mil, oitocentos e cinquenta e oito, na ponte de São Leonardo em Alençon. Ao ver Luís, Zélia percebeu distintamente que ele seria o homem da sua vida.
Casaram-se após poucos meses de noivado e conduziram uma vida conjugal no seguimento do Evangelho, ritmada pela missa quotidiana, pela oração pessoal e comunitária, pela confissão frequente e participação na vida paroquial. Da sua união nascem nove filhos, quatro dos quais morreram prematuramente. Entre as cinco filhas que sobreviveram está Teresa, a futura santa, que nasceu em mil, oitocentos e setenta e três. As recordações da carmelita sobre os seus pais são uma fonte preciosa para compreender a sua santidade. A família Martin educou as suas filhas a tornar-se não só boas cristãs mas também honestas cidadãs. Zélia era da Terceira Ordem Franciscana e desde cedo, ensinou as suas filhas a oferecerem seus corações ao bom Deus e a simples aceitação das dificuldades diárias “para agradar a Jesus”. Aos quarenta e cinco anos, Zélia recebe a terrível notícia de que tinha um tumor no seio. Viveu a doença com firme esperança cristã até à morte ocorrida em agosto de mil, oitocentos e setenta e sete.
Com cinquenta e quatro anos, Luís teve que se ocupar sozinho da família. A primogênita tem dezessete anos e a última, Teresa, tem quatro anos e meio. Transferiu-se, então, para Lisieux, onde morava o irmão de Zélia. Deste modo, as filhas receberam os cuidados da tia Celina. Entre os anos de mil, oitocentos e oitenta e dois e de mil, oitocentos e oitenta e sete, Luís acompanhou as três filhas ao Carmelo. O sacrifício maior para ele foi afastar-se de Teresa que entra para as carmelitas com apenas quinze anos, ocasião em que contou a uma das filhas a oração que fazia: “Meu Deus, eu estou muito feliz. Não é possível ir para o céu assim. Eu quero sofrer algo por ti”. O trabalho mais admirável de Luis é como educador. E a aceitação da vontade de Deus para com as suas filhas e em sua própria aventura espiritual é um grande exemplo. Ele não coloca nenhum obstáculo para a vocação de suas filhas e a considera como uma graça muito especial concedida à sua família. Alguns anos depois, foi internado no sanatório de Caen e morreu aos vinte e nove de julho de mil, oitocentos e noventa e quatro, encontrando sua forma de oferecer tudo ao Senhor, inclusive no sofrimento (Cf. Notas biográficas dos novos santos, publicadas pela Santa Sé).
O terceiro domingo de outubro é o Dia Mundial das Missões e Dia da Infância Missionária, comemorações escolhidas porque no primeiro dia do mês corrente se celebra a Festa de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, Padroeira das Missões, vinda de um casal que viveu do próprio trabalho, um pai de família que assume o cuidado das filhas, depois da morte da esposa, em virtude de um câncer de mama. Ele mesmo teve arteriosclerose cerebral, que o paralisou e impediu de falar. Uma filha santa, falecida aos vinte e quatro anos, santidade que foi dom de Deus, o Senhor que teve pressa! Apenas nove anos, tuberculose e caminho de infância espiritual, morte prematura! Todas as eventuais desculpas que podermos apresentar diante dos problemas de nossas famílias caem, como por encanto!
Família que se preze aprende a viver o cotidiano, sem pretender coisas altas demais. Dificuldades econômicas? Quem não as tem? Enfermidades? Fazem parte dos limites da natureza humana. Exigência de criatividade para manter o próprio lar? Continua válida a estrada para todos, pois aprendemos a nos virar! Crises do relacionamento, mais frequentes ainda, especialmente em nossos dias. Família santa reza unida, busca a luz do Evangelho, experimenta a graça do perdão recíproco, cultiva as alegrias cotidianas com serenidade.
A família já é missionária pelo fato de existir. O Sacramento do Matrimônio traz a graças da unidade, da fidelidade e da fecundidade e todas as forças necessárias para que edifique os outros, na missão social que lhe cabe. Pela superação contínua dos obstáculos, coragem para enfrentar as crises, educação dos filhos para os valores do Evangelho, a família planta presenças na Igreja e na Sociedade, pelo bem que seus membros podem fazer.
A família pode ser missionária quando o clima de oração e de participação na Igreja abre os corações de todos para as necessidades da Paróquia, ou quando os filhos aprendem a compartilhar os bens em benefício do esforço evangelizador da Igreja. Quando encontro crianças que saem de seus lugares na missa dominical para participarem com suas moedinhas da coleta das missões, programada para todas as celebrações do mundo inteiro, descubro a generosidade em ato, na educação para a partilha.
A Família, então, será ainda missionária quando o clima de vida cristã propiciar o surgimento de vocações para o serviço da Igreja. Por isso, pedimos que São Luís e Santa Zélia Martin rezem por nós!