A bela celebração de Corpus Christi, Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, com suas procissões, belos tapetes confeccionados com temas eucarísticos e com campanhas solidárias revela uma espiritualidade eucarística que vai além das portas de nossas igrejas e vai ao encontro das pessoas, que caminha pelo mundo. Instituída por Cristo na sua última e derradeira ceia com os apóstolos, memorial permanente de sua presença real, antecipação ritual do sacrifício único que iria se consumar na sua morte de cruz, a Eucaristia é o centro e ápice de toda a vida cristã (cf. SC 10). “O único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo” (JOÃO PAULO II, A Igreja da Eucaristia, 12). Ela nos ensina um jeito de viver, uma vida eucarística, na comunhão com Cristo, com os irmãos e irmãs da comunidade e promotores da fraternidade e da misericórdia.
Na celebração eucarística somos inseridos numa dinâmica de vida, num jeito de viver, como oferta de nós mesmos. Devemos fazer o que Jesus fez. E o que Ele fez? Partiu o pão e deu-se a si mesmo. Este gesto é, ao mesmo tempo, codivisão e imolação. O pão é Ele mesmo. Jesus partiu a si mesmo, deu-se aos discípulos e a todos nós. No gesto simbólico de partir o pão e entregar o cálice com vinho, antecipou ritualmente sua morte na cruz, dando-lhe o sentido de entrega voluntária, de doação, que caracterizou toda a sua vida e que deverá caracterizar a vida de seus seguidores: corpo doado, sangue derramado, símbolos da vida entregue. Uma vida eucarística é caracterizada pela doação de si mesmo. Sair de si, do egoísmo que prende aos interesses pessoais. Superar a indiferença para ir ao encontro e promover fraternidade. Doar algum alimento ou roupas a quem precisa é necessário, mas a eucaristia nos pede mais, a doação de nós mesmos, nossa vida, nossos dons e nosso tempo.
Ao caminharmos em procissão com Cristo pelas ruas de nossas cidades estamos afirmando publicamente nossa fé na sua presença na eucaristia. Ao mesmo tempo, também dizemos que o mesmo Jesus Cristo que caminhava pelas estradas e ia ao encontro das pessoas e lhes manifestava seu olhar, seus gestos e palavras misericordiosas, continua a fazê-lo hoje. Disse Jesus: “quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu vivo nele” (Jo 6,56). Seria uma contradição muito grande viver de Cristo e para Ele não procurar viver como Ele. Daí a ligação da eucaristia com a misericórdia e a solidariedade. “A eucaristia não é expressão de comunhão apenas na vida da Igreja; é também projeto de solidariedade em prol da humanidade inteira. […] O cristão que participa da eucaristia, dela aprende a tornar-se promotor de comunhão, de paz, de solidariedade, em todas as circunstâncias da vida” (João Paulo II, A Igreja da Eucaristia, 26).
A Eucaristia gera um “impulso para um compromisso real na edificação de uma sociedade mais equitativa e fraterna” (Idem, 34). Aquele que disse sobre o pão: “isto é o meu corpo”, disse palavras semelhantes também dos necessitados e sofredores. Disse-as quando, falando do que é feito para o faminto, para o migrante, para o prisioneiro e para o nu, declarou solenemente: “a mim vocês o fizeram”. Jesus identificou-se com eles: “eu estava doente”, “eu estava com sede”, “eu era estrangeiro”, “eu estava nu, doente, encarcerado” (cf. Mt 25,35ss).
Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta