Nascituro é o ser humano já em formação, mas ainda não nascido. O Projeto de Lei nº 478, de 2007, que visa proteger o nascituro, tramita há seis anos no Congresso Nacional. Pouco a pouco, porém, vai avançando. Recentemente, ele foi aprovado pela Comissão de Finanças da Câmara, depois de já ter passado também pela Comissão de Seguridade Social e Família. Falta passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, finalmente, ir ao Plenário da Câmara e do Senado e receber a sanção presidencial, se tudo correr bem.
É um longo e penoso percurso que deve enfrentar uma lei boa. Na prática, além da lei que veta o aborto, no Brasil ainda não há nenhuma lei que garanta mais amplamente um mínimo de respeito e direitos ao ser humano ainda não nascido, mas que já existe e está em gestação no ventre da mãe; é como se a sociedade e o Estado nada tivessem a ver com as eventuais agressões, discriminações ou outras formas de violência contra os nascituros; nem fossem obrigados a fazer algo para assegurar a sua saúde, antes do nascimento. Seres humanos frágeis e indefesos, na prática, ainda estão entregues à lei da selva!
O Estatuto do Nascituro prevê que ao embrião, ao feto e à criança ainda não nascida seja reconhecida a dignidade humana e, como consequência, que já seja merecedora de proteção jurídica. Isso é um avanço, pois supera uma concepção redutiva das responsabilidades do Estado sobre os seres humanos já concebidos, mas ainda não nascidos: na situação atual, o bebê, antes de nascer, é um “problema” apenas da família ou, até mesmo, só da mãe… Certo discurso em favor da legalização do aborto pretende que unicamente a mulher tenha o direito a decidir sobre o fruto de suas entranhas: deixar viver ou não…
O Estatuto do Nascituro prevê que seja respeitado, antes de tudo, o direito à vida desse ser humano, ainda em formação, mas já existente e vivo; além disso, o direito à saúde e à assistência médica, paga pelo Estado, e às condições para o sadio desenvolvimento, mesmo antes de nascer.
Estabelece ainda que o nascituro tenha direitos patrimoniais, como o de herança, da mesma forma como os filhos já nascidos; tal direito, evidentemente, só se concretiza se ele vier, de fato, a nascer. Também assegura que o nascituro não deve ser maltratado, negligenciado, explorado como se fosse uma “coisa”, até para fins econômicos, nem pode ser vítima de crueldade, ou qualquer forma de violência.
Também prevê que haja políticas sociais para que o nascituro encontre condições favoráveis para o seu desenvolvimento integral. Não parece pretensão exagerada para uma sociedade de humanos, com sensibilidade e sentimentos humanos, assegurar às crianças não nascidas esses direitos e essa justa consideração… É difícil compreender que possa alguém ser contrário. O Projeto de Lei pode ser melhorado e poderá sofrer alterações no longo percurso que ainda deve enfrentar. É uma pena que não se aprove logo algo tão salutar!
Mas o Estatuto do Nascituro, apesar de ser, certamente, bom e de efeitos civilizatórios relevantes, sofre forte oposição, sobretudo porque ele acabaria sendo uma barreira contra a liberação cada vez mais ampla do aborto; por isso, ele enfrenta a forte oposição dos grupos militantes em favor do aborto; geralmente, o argumento é que o direito do nascituro diminuiria o direito da mulher. É bastante estranho e cínico jogar o filho contra a mãe, ou a mãe contra o filho… Ao proteger o nascituro, a lei, de fato, também está valorizando a mulher que gera o filho.
A questão crucial continua sendo a do início da vida humana: quando começa a existir um novo ser humano? A posição da Igreja, que está em concordância com a ciência e a mais elementar constatação da lógica e do bom senso, é esta: a fecundação do óvulo por um espermatozoide e o consequente início da multiplicação das células constituem o início da existência de um novo ser humano. A partir desse momento, passa a existir um novo sujeito de direitos, que precisam ser devidamente assegurados pelo Estado. São direitos próprios à condição do ser humano na fase do seu desenvolvimento pré-natal.
É falacioso argumentar que uma lei favorável aos direitos do nascituro seria prejudicial para os direitos da mulher. Ninguém é obrigado a gerar um filho; mas a partir do momento em que isso acontece, o novo ser humano tem dignidade e direitos a serem respeitados. A dignidade e os direitos da mulher também precisam ser assegurados, de maneira própria e adequada; mas seria chocante se isso fosse feito mediante a negação da proteção à dignidade e aos direitos do filho ainda não nascido.
Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 18.06.2013
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo