Esta é a segunda parte do artigo publicado por mim, Pe. Crispim Guimarães, no e-book “Aspectos a considerar sobre a proposta de ensino domiciliar”, que foi promovido pela Associação Nacional da Educação Católica do Brasil (ANEC). Boa leitura!
2. A família e a educação na concepção católica
O Documento Conciliar, Gravissimum Educationis, dedicado à educação cristã, adverte que é um grave e sagrado dever da família e prioridade de todos, em primeiro lugar, educar os seus membros. “O sagrado Concílio Ecumênico considerou atentamente a gravíssima importância da educação na vida do homem e a sua influência cada vez maior no progresso social do nosso tempo” (GE, n.1).
Os padres conciliares perceberam que o conflito educacional se tornaria uma realidade frequente, daí o imperativo: “grave dever de educar a família cristã”. Cada época exige uma visão apurada por parte da família, das instituições e da Igreja, para dinamizar a relação com as instituições de educação formal, esforçando-se para uma educação adequada, privilegiando simultaneamente a verdade e a caridade (GE, n.1).
2.1 Educar para a afetividade
Parte do Documento fala da formação afetiva e sexual dos filhos e dos membros da família, como determinante no processo de maturidade da pessoa.
Para que esses aspectos contribuam para o amadurecimento, é necessário educar a volição (WOJTYLA, 1982), proporcionando a colaboração da psicologia, da pedagogia e da didática, em vista do desenvolvimento harmônico das qualidades físicas, morais e intelectuais, levando à aquisição de sentido e de responsabilidade própria. Todos têm o direito inalienável, à “formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é membro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte” (GE, n.1).
A família deve educar para as dimensões afetiva e sexual! Se negligenciadas, o ser humano viverá sem Deus e sem lei, num individualismo onde cada pessoa faz o que quer, com a ilusão de autonomia. Por isso, é salutar as palavras do Papa Francisco sobre a exclusão dos valores morais e religiosos. “Não se pode admitir que, no debate público, só tenham voz os poderosos e os cientistas. Deve haver um lugar para a reflexão que provém de um fundo religioso que recolhe séculos de experiência e sabedoria” (FT, n.275).
Não por acaso, no capítulo VII da exortação Amoris Laetitia, é oferecida uma visão pedagógica de condução,ao se propor três verbos, que levam à maturidade: acompanhar, discernir e integrar. E é oferecida em primeiro lugar à família, como condutora de processos e possibilidades. Se educar é conduzir para fora, então trata-se de um processo maiêutico que faz desabrochar o que está dentro. Os valores fundamentais como amor, o bem, valorização da vida como dom recebido e inegociável, relações fraternas e capacidade de doação, crença (FT, nn.113/4), são desenvolvidos dentro da convivência familiar, pois a família, como vocacionada pelo Criador, tem as melhores condições de desenvolvê-los. Não há nada que impeça a família também de educar nos campos dos saberes, desde que tenha as condições para fazê-lo. A educação em instituições estatais pode colaborar para reforçar tais valores e trabalhar os saberes, mas não deve interferir impositivamente para “desconstruir” a educação transmitida em família.
Assim, “a família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade” (FC, n.99). Como principal educadora[1], a relação com as instituições estatais e privadas de educação é imprescindível em vista do bem da pessoa e da sociedade, constituída de entes, para formar a mentalidade de: “1) uma comunidade de pessoas; 2) o serviço à vida; 3) a participação no desenvolvimento da sociedade; 4) a participação na vida e na missão da Igreja” (FC, n.17).
2. 2 Família, educação e atores sociais
Os pais têm a obrigação de educar para a valorização da vida e, quando outros atores não o fazem e/ou se contrapõem, a família deve se posicionar pautada na verdade última sobre o ser humano. Quando a verdade cristã é questionada como fonte última de valor, então é necessário evocar a verdade antropológica, para que revele o valor natural do ser pessoa. A verdade nasce primeiro na casa!
Eis um problema sério no contraste entre a família cristã e as ideologias reducionistas, diga-se, ideologia de gênero. Essa, como disse padre Rafael Solano, no décimo Simpósio Nacional da Família 2020, tira a necessidade da relação entre pais e filhos, descartando assim a família e sua função de primeira educadora.
O papel da família é primordial para não deixar o Estado reduzir a pessoa a mera executora de tarefas de produção em série, a fim de suprir as necessidades do mercado. Portanto, as instituições educacionais estatais e privadas deveriam ser colaboradoras da família no processo de autonomia do ser humano.
“A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e mediáticos. […]” (FT, n.267).
É importante discutir a influência da visão genuinamente cristã, que pode colaborar com a educação pública e privada, diante das ideologias em contraposição à família e à vida. Em todos os ambientes e etapas educativas, a educação moral não pode ser banalizada, a Igreja a tem no mais alto grau. Por isso,
“tendo, […], a consciência do dever gravíssimo de cuidar zelosamente da educação moral e religiosa de todos os seus filhos, a Igreja sabe que deve estar presente com o seu particular afeto e com o seu auxílio aos que são formados em escolas não católicas…” (GE, n.7).
As crises sociais, mesmo com tantas tecnologias e produção, evidenciam o abandono do papel educativo da família, que deve ser dialogal. É o método de Jesus! A família pode imprimir valores e a escola também, educando para a ética e para o desenvolvimento das capacidades críticas (GE, n.10). Os espaços educativos devem ser espaços de diálogo, que revelem valores autotranscendentes e não incutam uma posição negacionista e preconceituosa contra tais valores. Por isso, a educação cristã oferece ao próprio Estado conceitos basilares para a formação integral do ser humano.
[1] Então não seria a única? Todos os processos relacionais são educativos, para muitos. Não está na escola estatal ou privada não significa não encontrar espaços formadores de consciências críticas.