O assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, Hernaldo Pinto Farias, tratou do tema central do Seminário Nacional de Liturgia, que está sendo realizado esta semana, de 31 de janeiro a 4 de fevereiro, em Indaiatuba (SP). O Seminário também é promovido pela Associação de Liturgistas do Brasil (Asli).
Em entrevista exclusiva ao Jornal Santuário, de Aparecida (SP), o assessor da Comissão para a Liturgia da CNBB, padre Hernaldo Pinto Farias, fala sobre o Seminário, o documento e o trabalho da comissão.
A Sacrosanctum Concilium, primeiro documento promulgado pelo Concílio Vaticano II, está prestes a completar 50 anos. Qual é o papel que ocupa esse documento no contexto de renovação proposto pelo Vaticano II?
Padre Hernaldo Pinto Farias – Esse documento é muito importante no campo da liturgia da Igreja, mas, ao mesmo tempo, ajuda a Igreja a compreender a si mesma a partir da liturgia. Tanto que o próprio documento é uma referência para todos os outros do Concílio Vaticano II e teve uma boa repercussão na América Latina.
Qual é a principal contribuição que os documentos latino-americanos trazem para a construção de uma liturgia que esteja em sintonia com a realidade da região? E de que forma podem colaborar para a melhor compreensão da própria Sacrosanctum Concilium?
Padre Hernaldo – Sobretudo os de Medellín e Puebla [duas cidades-sede de Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, em 1968 e 1979, respectivamente] são dois dos documentos do episcopado latino-americano que beberam muito da Sacrosanctum Concilium e que nos ajudaram a compreender uma liturgia para o povo e a partir do povo. Uma liturgia que fosse, de fato, o rosto do nosso povo; ou seja, uma liturgia mais inculturada. Mas, sobretudo, uma liturgia que pudesse falar a linguagem do povo, para que este pudesse participar de fato da liturgia. Portanto, o princípio maior da Sacrosanctum Concilium – “participação ativa, consciente e frutuosa de todo o povo de Deus na ação ritual” – é absorvido por esses documentos latino-americanos, que conseguem traduzi-lo em normas para a vida litúrgica na América Latina.
Quando se fala em “inculturação”, “linguagem do povo” e outros termos correlatos, há alguns setores na Igreja que entendem que houve uma simplificação muito acentuada da própria liturgia. Quais são as pistas que a Sacrosanctum Concilium oferece para encontrar um equilíbrio?
Padre Hernaldo – Além desse princípio maior de participação ativa, há a questão da ação da Igreja, de todo o povo de Deus e de Deus na Igreja, e da Igreja em Deus. Assim, devolve-se ao povo a sua condição maior de celebrante da liturgia. O povo é entendido, pela Sacrosanctum Concilium e demais documentos latino-americanos, não como mero espectador mudo, mas sim como um conjunto de pessoas que participam da ação ritual; por isso, celebrante. Daí, então, o aspecto do povo como sujeito da liturgia.
A Sacrosanctum Concilium convocou uma reforma litúrgica em nível de Igreja universal. Ainda há muito a se caminhar para concretizar de fato essa reforma? O que falta?
Padre Hernaldo – O Concílio, como um todo, ainda não foi posto em prática totalmente. Por isso nos falta muito: uma maior consciência do que é a liturgia, por parte de toda a Igreja; uma melhor distribuição ministerial dentro da Igreja, para que, de fato, cada um assuma aquilo e somente aquilo que lhe compete e, assim, desenvolva na liturgia o ministério que lhe é próprio. Ou seja, a liturgia que possa ser vivida pela Igreja em sua totalidade, integralidade, o seu todo. Ainda nos falta muito. Às vezes, ainda está arraigada na cabeça das pessoas uma liturgia muito “do padre”, faltando ainda a consciência de que a liturgia é da Igreja e não pertence ao padre como tal. Da mesma forma, faltam celebrações mais bem preparadas por equipes treinadas para isso, bem como uma pastoral litúrgica – em nível paroquial, diocesano, regional e até mesmo nacional – mais bem estruturada, para que a liturgia atinja a todos. Enfim, ainda nos falta muito.
A finalidade da reforma é a “participação ativa, consciente e frutuosa de todo o povo de Deus na ação ritual”. De que forma a Comissão para a Liturgia da CNBB busca colaborar com as comunidades de todo o Brasil para efetivar essa reforma litúrgica?
Padre Hernaldo – A finalidade da Comissão é subsidiar os regionais e as dioceses no que diz respeito à liturgia, seja na disponibilização da tradução dos documentos provindos da Santa Sé, seja na tradução e adaptação dos rituais para o Brasil, seja também na produção de documentos com material de reflexão para toda a Igreja no país. Nesse sentido, temos vários trabalhos que ajudam a Igreja. Podemos citar os roteiros homiléticos, que têm boa aceitação; o Documento 43 da CNBB – Animação da Vida Litúrgica no Brasil –, que ajuda muito a caminhar nesse sentido; há também outros documentos da CNBB, como Orientações para a Celebração da Palavra de Deus (n. 52) e os sobre diversos sacramentos e sacramentais, que são materiais para a reflexão da Igreja no Brasil. Até mesmo publicamos outros documentos com uma linguagem popular para ajudar as comunidades e os agentes a melhor preparar e viver a liturgia.
Como se espera que esse conteúdo a ser debatido no Seminário possa chegar às bases e tenha reflexo na vida das comunidades eclesiais de todo o país?
Padre Hernaldo – Em 2011, investimos na preparação de material para publicação. A partir deste ano, esse material já deve começar a ser divulgado. O próprio Seminário produzirá toda uma gama de material de reflexão, de artigos – tanto do assessor principal quanto dos demais, bem como dos participantes, que levarão material de produção própria. Tudo isso será publicado, e, com a publicação desse material e daquele que preparamos, de traduções e outros, vamos elaborar um roteiro de encontros e debates com os regionais da CNBB. Serão esses que, depois, farão com que isso seja repassado a todas as dioceses do Brasil. Assim, as dioceses também terão o seu papel, que será o de repassar o material para cada um dos seus agentes de pastoral litúrgica.
Quais são os temas desse material?
Padre Hernaldo – Um exemplo é o texto da Sacrosanctum Concilium em versão popular, que foi publicado na celebração dos 40 anos do documento e será agora reeditado, após uma revisão. O objetivo é que essa Constituição possa atingir a todos, até mesmo àquelas pessoas mais simples. Por isso, a linguagem é bem popular, para que todos possam conhecer esse importante documento do Concílio Vaticano II. Há também outras obras que são frutos de tradução, focando especialmente a reforma litúrgica da Igreja.