Diante de um cenário de contestações e opiniões divergentes, o Plenário do Senado Federal aprovou na quarta-feira, 4 de junho, em votação simbólica, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 58/2014, que prevê punição às famílias que usarem da violência, como castigos e maltrato físico, para educar os filhos
Antes de ir a plenário, o projeto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O texto segue para análise da presidente Dilma Rousseff, que, ainda, pode vetar trechos, no período de quinze dias úteis ou sancionar integralmente o texto. O atual projeto altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante; e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Desta forma, a Lei prevê que crianças e adolescentes sejam educados e cuidados sem o uso de castigos físicos, uso da violência pelas famílias, que poderão ser punidas pelo Estado. De acordo com o texto, o castigo é “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou ao adolescente”. Em relação ao tratamento cruel ou degradante, a Lei compreende como “conduta ou forma cruel de tratamento que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente”.
Na avaliação do diretor de Relações Institucionais da Confederação Nacional das Entidades Família (CNEF), Paulo Tominaga, o projeto aprovado pelo Senado busca coibir excessos, mas, alguns aspectos poderiam ser aperfeiçoados no texto. “Ao buscar coibir excessos, o projeto, na prática, pode infelizmente fragilizar a autoridade das mães e dos pais, permitindo que terceiros, sem o devido conhecimento dos fatos, possam interferir na educação das crianças e adolescentes”, explica Tominaga.
Paulo observa que a reflexão sobre as ações preventivas à violência contra crianças e adolescente passa, também, “pelo fortalecimento da união entre os casais e do aprimoramento das atividades de formação para que pais e educadores possam exercer bem suas naturais competências, com a devida autoridade e independência”.
A Lei e suas contradições
Proposto durante a gestão do governo Lula, o projeto estava há quatro anos em discussão no Congresso. Inicialmente, foi chamada de Lei da Palmada, desde o início da tramitação. Mas, recebeu o nome de “Lei do Menino Bernardo”, em homenagem ao garoto gaúcho Bernardo Boldrini, de 11 anos, morto em abril, cujo pai e madrasta são investigados, suspeitos de terem praticado o crime.
A Lei aplicará sanção aos pais, integrantes da família ampliada, responsáveis, que “utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação”. Porém, o texto deixa dúvidas, sem esclarecimento das proibições contidas na Lei, como no caso das “palmadas”.
De acordo com Tominaga, a Lei, infelizmente, não evitará que casos cruéis de violência praticada pelos pais deixem de acontecer, como o fato Bernardo. “Estes casos são situações de exceção para as quais já existe legislação adequada. O que ocorre, porém, é a incapacidade das autoridades e órgãos públicos atuarem com eficácia. Em nosso entendimento, esta dificuldade não muda com o projeto de lei aprovado recentemente”, pontua.
O projeto de Lei gera dúvidas e críticas, já que o texto não é claro quanto as proibições. O engenheiro e pedagogo, Francisco Augusto Garcia observa que a Lei não inova em relação ao texto constitucional, podendo criar clima de desconfiança nas famílias que se sentirão vigiadas pelo Estado – na educação dos filhos. O profissional recorda que a o Art. 227 da Constituição Federal já prevê a função da família na educação dos filhos e o papel da sociedade e do Estado, como também proíbe a “violência e crueldade”, contra crianças e adolescentes.
Francisco faz crítica ao texto da Lei, que segundo ele, não traz novidades, quando se trata de impedir a violência domiciliar. “Mesmo a palmada não é citada nenhuma vez no texto da Lei. Há casos graves de violência que devem ser tratados. Contudo, já existem dispositivos legais para tanto, como o texto constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente”, aponta.
A possível inovação é que a Lei prevê punição aos profissionais da saúde, da assistência social e educação, ou qualquer pessoa em exercício de função pública, que não informarem “à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento envolvendo suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante ou maus-tratos contra criança ou adolescente”. O texto determina que seja pago multa que varia de 3 a 20 salários mínimos, e havendo caso de reincidência, a pena será o dobro dos valores estabelecidos.
Confira a redação final do Projeto de Lei 58/2014