Dom Aloísio Alberto Dilli
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
O mês de agosto sempre recebe um caráter vocacional em nossas comunidades eclesiais. Lembramos e refletimos os diversos estados de vida; rezamos por todos os vocacionados/as. Neste contexto, acontece também a Semana Nacional da Família. Em 2021 desejamos atender também o apelo do Papa Francisco para dar atenção maior para o documento Amoris Laetitia = A Alegria do Amor, que completou cinco anos de publicação, em 19/03/21.
No documento Amoris Laetitia, o Papa convida todos a cuidar com amor das famílias, porque “elas não são um problema, são, sobretudo, uma oportunidade” (n. 7). Elas são mais caminho dinâmico de crescimento e realização que fardo a carregar a vida inteira. Depois de comentar os principais textos bíblicos que falam da família, segundo o projeto de Deus, tendo a família de Nazaré como ícone, a exortação apresenta as luzes e sombras e os desafios da família atual, considerando-a decisiva para o mundo e a Igreja: “Sua força reside essencialmente na capacidade de amar e de ensinar a amar” (n. 53). Não podemos cair nas lamentações autodefensivas, de doutrina fria e sem vida, em vez de suscitar criatividade missionária. Assim o terceiro capítulo apresenta bela síntese da doutrina da Igreja sobre o matrimônio e a família, como dom de Deus. O Concílio Vaticano II “definiu o matrimônio como comunidade de vida e amor, colocando o amor no centro da família… Cristo Senhor vem ao encontro dos esposos cristãos com o Sacramento do Matrimônio e permanece com eles”, tornando-se ela uma Igreja doméstica (cf. n. 67 e 73), onde o modo de amar de Deus torna-se a medida do amor humano. E continua o Papa Francisco: “Toda rede de relações que hão de tecer entre si, com os seus filhos e com o mundo, estará impregnada e robustecida pela graça do sacramento… Os esposos nunca estarão sós, com as suas próprias forças, enfrentando os desafios que surgem” (n. 74). É neste contexto que a família se torna santuário da vida, lugar onde ela é gerada e cuidada em todas as suas fases.
O documento ainda apresenta rica reflexão sobre o amor (cf. 1Cor 13, 4-7): que se expressa na paciência, no serviço, na amabilidade, no desprendimento, no perdão, sem inveja, sem arrogância e orgulho, sem violência; que se alegra com os outros, que tudo desculpa, que confia, espera e tudo suporta. Em síntese, ressalta o documento: “As alegrias mais intensas da vida surgem, quando se pode provocar a felicidade dos outros” (n. 129). O amor consiste em transformar dois caminhos em um só; num compromisso público de amor, de forma exclusiva e definitiva, mesmo com riscos. É um amor que se manifesta, supera barreiras, cresce em rica intimidade e dura até a morte. A aparência física muda, mas a atração amorosa continua. Para tal o diálogo será decisivo. Há pessoas que não se casam, mas consagram sua vida por amor a Cristo e aos irmãos: “A virgindade e o matrimônio são – e devem ser – modalidades diferentes de amar, porque o homem não pode viver sem amor” (n. 161).
O verdadeiro amor não se esgota no próprio casal. Ele está aberto à vida, qual presente de Deus, único e sem igual, confiado ao pai e à mãe: “Cada criança está no coração de Deus desde sempre e, no momento em que é concebida, realiza-se o sonho eterno do Criador… Pai e mãe mostram aos seus filhos o rosto materno e o rosto paterno do Senhor” (cf. n. 166, 168, 172, 222). A família, em sentido amplo, torne-se escola de cuidados recíprocos, de sociabilidade: pais, filhos, avós, sociedade.
O Papa insiste que não bastam anúncios teóricos sobre a família, desligados dos problemas reais das pessoas. Este contexto exige formação adequada dos presbíteros, seminaristas, consagrados e dos diversos agentes no campo catequético e pastoral, sobretudo familiar. Destaque particular dá o Santo Padre aos noivos na preparação do Matrimônio para que descubram a riqueza e o valor deste sacramento: “Aprender a amar alguém não é algo que se improvisa, nem pode ser o objetivo de um breve curso antes da celebração do matrimônio” (n. 208). Não basta atração mútua, mas é preciso conhecer-se, ter capacidade de renúncias, de estabilidade, de união perene. Haja coragem para renunciar às propostas da sociedade de consumo que absorvem tanto os recursos econômicos como as energias e a alegria, deixando os noivos exaustos para o momento da celebração, na qual decidem suas vidas para o futuro: “Queridos noivos, tende a coragem de ser diferentes, não vos deixeis devorar pela sociedade do consumo e da aparência. O que importa é o amor que vos une, fortalecido e santificado pela graça. Vós sois capazes de optar por uma festa austera e simples, para colocar o amor acima de tudo” (n. 212).
O matrimônio nunca pode ser entendido como algo acabado; por isso torna-se indispensável que os cônjuges sejam acompanhados para enriquecer e aprofundar a decisão, sobretudo, nos primeiros anos do matrimônio, sem ferir o protagonismo de sua história. Em cada nova etapa da vida é preciso negociar novamente os acordos para que ambos cresçam: “Assumir o matrimônio como um caminho de amadurecimento, onde cada um dos cônjuges é um instrumento de Deus para fazer crescer o outro” (n. 221). O matrimônio cristão, na sua identidade, abre-se à nova vida: “Os filhos constituem um dom maravilhoso de Deus, uma alegria para os pais e para a Igreja” (n. 222). Os casais podem fortalecer sua vida de amor com o apoio da pastoral familiar e, sobretudo, pela força da oração e da Palavra de Deus.
A história de uma família é também marcada por crises. Além daquelas que são pessoais, econômicas, laborais, afetivas, sociais, espirituais, surgem as de todos: crise ao início; da chegada dos filhos e sua educação; do ‘ninho vazio’, da velhice dos pais ou outras, as quais podem afetar a união do casal. O perdão e a reconciliação são fundamentais para que cada situação se torne oportunidade de recriar o amor. Diz ainda o Papa: “Há casos em que a separação é inevitável… remédio extremo, depois que se tenham demonstrado vãs todas as tentativas razoáveis” (n. 241). Pessoas divorciadas com nova união não estão excomungadas; fazem parte da Igreja. Os processos de nulidade matrimonial sejam mais agilizados. Os filhos não sejam usados como vítimas das desuniões; e mais: “Não existe fundamento algum para assimilar ou estabelecer analogias, sequer remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família” (n. 251). No final do cap. VI aborda-se a morte, com perspectiva de esperança na vida eterna: “A pessoa amada não precisa de nossa tristeza, nem deseja que arruinemos nossa vida” (n. 255). A união dos falecidos conosco não se interrompe. Uma maneira de nos comunicarmos com os entes queridos, que já partiram para a eternidade, é rezar por eles e tornar sua intercessão mais eficaz em nosso favor.
Fonte: CNBB